quinta-feira, 16 de julho de 2009

Coisas que se contam # 3

ESPETÁCULO

A apresentação era ao ar livre – dançarinos bailavam diferentemente. O espetáculo sugere o contato. Terra, poeira, espelhos. Os expectadores extasiados pela desenvoltura e beleza dos corpos em movimento. O poeta não parava de sentir. Precisava tudo, queria tudo, o espelho e a sua imagem, o incenso e o respirar, as frutas e a sua língua.


No decorrer da apresentação deliciosamente eram seqüestrados alguns da platéia. A arte em maior grau. O poeta fora o número três. Arrebatado por uma linda amazona que já lhe observava de movimentos anteriores ao espetáculo. De sorriso brilhante e corpo serpenteante surpreendeu-o e a todos com um demorado beijo. Logo ali em pleno espetáculo. Demorado e forte.


Após o beijo o poeta encontrou em sua boca, ao sentar, uma pedra. Uma jóia transparente. A prenda era sua. A dama continuava seu baile, mas o poeta ficara loucamente apaixonado ao que observara. Ali... dentro do objeto aparentemente translúcido e brilhante, seus olhos se prenderam. Dentro, dentro dela...


Observara atentamente. Se perdia e se encontrava na pedra em sua palma. Uma sala querendo ser escura apesar das lamparinas, visão surreal da musa a manusear um caderno, que lá normalmente escrevera. Agora ela se concentrava, ao chão, sentada, em apagar páginas. Esquecia as histórias que guardava do poeta. Arrastava cuidadosamente a borracha branca nos escritos, não deformava as folhas que poderiam posteriormente ser reescritas. Experiências. Fechara agora o caderno e colocava o mesmo na caixa misteriosa do antes. Artisticamente bela, hermeticamente fechada. O poeta vendo tudo... nervoso sorria. Soprou deliciosamente a pedra. Sua anima invadiu o quarto apagando os bicos de luz e envolvendo a musa. Chegava-lhe aos ouvidos o som do vento. Chegava-lhe o íntimo que tentava expelir. Tocara a ternura.


Houve uma salva de palmas. O espetáculo havia terminado.

DO NASCIMENTO DA POESIA

a poesia vai embora...
ela surge
diz oi
e foge
como quem é livre demais para se comprometer
se na hora não tivermos em mãos caneta e papel
selar o compromisso a fino ferro
tudo acaba
é gigante demais pra ser presa
pra ser apenas
ela nos trai
de boca em boca
quase assim que nasce
logo após a escrita
a poesia é a mais desejada prostituta do mundo

ESQUECIMENTO

moças que somem
no meio de urbanos centros
...
estarão elas encantadas?

ENLAÇO

E ela chorando... com seu corpo nu e suado, o peso do homem nada significa. Olha-o mais profundamente como nunca e declara: “Eu tentei, juro, mas não consigo amá-lo.” E correram-se os dias.

Coisas que se contam # 2

PECADO

- Perdoe-me, Padre, pois eu pequei.

A voz baixa e suave entrava pelo confessionário como se a luz se responsabilizasse por sua entrada quente, morna e delicada.

- Pode falar, filha.

Começou a denunciar-se, os olhos estavam cobertos por óculos escuros. Se estavam cerrados ou arregalados não se sabia.

Cabelos louros, quase ouro, lábios grossos e vermelhos, pele lisa e branca. Pura como a sociedade lhe fizera.

Andava calmamente, não como sempre. Precisava apenas de uma tarde diferente, sem namorado, família, trabalho ou amigos. Voltava-se mais pra si, o tempo necessário para o ego.

Foi ao cinema. Não sabia a que filme assistir, mas foi. Comprou o ingresso. Seção das 15, mas eram 13 e trinta. Então decide percorrer pelo salão do museu e de seus pensamentos. Os quadros não lhe interessavam, estavam longe de seu entendimento ou de sua vontade de entender algo naquele momento. Brincou com seu crucifixo enquanto caminhava, acariciava cristo, isso a entretia.

Olhou para o lado, quando estava se distraindo em desperceber as obras plásticas do famoso artista do Irã.

Encontrou um gesto gentil, quase obrigatório de uma atendente.

Cabelo curto, vermelho, óculos pequenos para não esconder a beleza do rosto.

Deveria ser de prache.

Passou por ela com um andar que atrai desconsertos a olhos desacostumados com o lampejo da carne. Andava como quem pedia... E gravava-se na memória.

Continuou a andar.

Pensa em coincidências e destino, aquela fraqueza dos seres humanos ao tentar ratificar o tesão.

Agora estão a se vigiar.

Informações são dadas a qualquer visitante que se interesse em obtê-las.

A conversa acontece.

Arte, filosofia, sorriso, cinema, gesto delicado no cabelo, sociedade, umedecimento de lábios, câmeras, mãos na nuca, discrição.

Quando não, já estavam a percorrer uma escada circular que as levasse para baixo. Sem câmeras (olhos mecânicos) nem indiscrição.
Cabelos soltos, bocas vorazes, mordidas de leve, respiração forte, blusas abertas, seios sensíveis, pele lisa, pêlos ralos, cheiro louco, língua voraz, salgado gostoso, mordidas safadas, mãos ágeis, sussurros roucos, dente, batom, espelho, contentamento.

Volta a encontrar a escada e percorre o caminho de volta, sozinha, apenas com um sorriso safado na boca.

Entra no cinema. Fica de frente à tela. Luzes alternam entre falas distantes.

Nada importa.

- Fui animal confesso e sei que isso não devia ter acontecido.

Correm lágrimas de seu olho e sua fala é fragmentada.

- Perdoe-me... Padre, pois eu pequei.

Após o relato o padre ficou ali, ereto. Os pensamentos voavam. O padre não estava mais lá, só restou o homem.

A CAIXA

Consegui guardar dentro dessa caixa
um pouco de lucidez.
Guardo como um último pertence,
fruto de anos de contemplação.
Lá fora...
Lá fora eu tranquei a loucura.
Com seus gritos estridentes
e seu cheiro de novo.
Novo, recém-saído da caixa.
E consigo vê-la na sua dança insinuante,
na sedução repentina de um instante fugaz.

AGULHA E LINHA

Pedaços de (h/e) stórias
(cons/des) troem os pensamentos
E a vida não é mais
do que uma
colcha de retalhos.

CONSPIRAÇÃO

Uma boca malcriada
Um pensamento prematuro
Ambos sem me avisar
(em uma conspiração sincera)
Meu telefone te deu.

VIRI,-I ( S.C.M)

Nos seus lençóis havia um cheiro a mais. De homem. Familiar. Sabia através daquele cheiro que recebeu uma visita, apesar da distância cultural que se impõe a dois homens, mesmo sendo pai e filho.